DESMORONAMENTOS
CUZCO – RIO BRANCOMotos carregadas, café tomado, fomos para a estrada por volta das 7,30hs.
Um lindo dia de sol, temperratura por volta dos 8 graus. Começamos a subir a serra e logo a uns 10 km nos deparamos com dezenas de caminhões parados no acostamento da rodovia. Como sempre, levamos as motos para frente da fila e nos vimos algo parecido com uma manifestação. Enquanto passava pelos manifestantes consegui ler uma faixa que dizia .... qualquer coisa MINEIROS... havia barro no local e não tive oportunidade de prestar a devida atenção naquilo.
A subida da serra foi magnífica, como de costume muito frio, montanhas brancas de neve. Ao chegarmos ao topo da serra, com seus 4725 mts, havia bastante gelo e paramos para tirar fotos.
Logo iniciamos a descida e passamos por vales muito bonitos, bastante verde e um rio que serpenteava pelo vale e nos acompanhava.
Passados alguns km, deu-se início trechos com desmoronamentos. Época de chuvas na região, alguns km e desmoronamentos, mais alguns km e igual, pista interrompida devido aos “derrumbres”.
Começou uma chuva danada, andamos mais de100 km com muita chuva e eu, logicamente, não coloquei a roupa de chuva porque pensei que fosse um tipo de chuva de verão e que logo cessaria. Vale lembrar que a roupa normal para motociclista, é impermeável, ou pelo menos quando nos vendem dizem que é. Em 1h estava bem molhado, mas a temperatura estava agradável, portanto não judiava muito.
Faltando aproximadamente 200 km para Puerto Maldonado, fomos parados por uma barreira policial, acho que das forças armadas. Recebemos a informação de um militar que não poderíamos seguir, porque a rodovia estava trancada em diversos pontos devido a uma greve geral dos mineiros informais (ilegais) peruanos. Outro militar que se encontrava sentado e protegido por uma lona, disse que nos deixasse seguir, pois com as motos talvez conseguíssemos seguir.
Rodamos alguns km e encontramos um piquete no meio da estrada, com paus e pedras fazendo uma barreira na pista. Centenas de pessoas nas margens da rodovia. Fomos andando, andando e acabamos afunilados pelas pessoas que diziam que não poderíamos passar. Era a tal greve dos mineiros informais do Peru. Conversei com a liderança do grupo, expliquei que estava molhado, cansado, com fome e que estava com pouco combustível, pois todos os postos pelos quais passamos estavam fechados. Pedi a colaboração dos grevistas que nos deixassem seguir viagem, e que tivessem sucesso com o pleito. Perguntei se quem estava governando era de partido de esquerda. Me informaram que era um governo nacionalista. Falei alto e em bom tom do ex-presidente Lula. Recebi alguns aplausos e gritos de aprovação. Mandaram passar pelo acostamento.
Não havia gasolina, todos os postos estavam fechados e com faixas escritas VIVA EL PARO. Conseguimos combustível com um motoqueiro em uma cidadezinha, pelo dobro do preço cobrado nos postos. Ficamos agradecidos, pois caso conseguíssemos passar por todas as barreiras, e com aquele combustível, chegaríamos a P. Maldonado.
A todo o momento, principalmente próximo aos povoados, havia árvores e pedras trancando a estrada. Passávamos pelo acostamento, por um atalho, por cima de pequenos troncos, desviando das centenas de pedras colocadas no meio da estrada para evitar passagem de veículos maiores. ...
Fizemos uma curva e demos de cara com duas árvores derrubadas na pista. Pensei que tivéssemos chegado ao limite, que não passaríamos. Consegui passar pelo lado de uma, pelo acostamento e por baixo da outra. Explico... cortaram a árvore e a derrubaram na pista. A arvore foi derrubada de um pequeno barranco com elevação, em torno de 1,5 mts. Como era mais alto que a estrada, o caule com a parte das folhas ficou no lado direito da pista e no lado esquerdo (na contramão) o caule estava em cima do barranco, então encolhemos as cabeças e passamos por baixo.
Em outro ponto da estrada não havia espaço para passar. Descemos a estrada e conseguimos passar pelo lado, com a grama molhada e bastante inclinada. As motos derrapavam. Um de nós pilotava e o outro empurrava a moto para o lado da estrada, oposto da inclinação, pois caso a moto pendesse para o lado da inclinação, não teríamos apoio com os pés devido à altura. Deu certo, passamos mais um.
Alguns km e mais algumas dezenas/centenas de pessoas –mineiros e simpatizantes – e um grande coqueiro atravessado na estrada. Disse ao Ademir ... por este não passamos.. Conversamos novamente com a liderança do movimento e contando com a simpatia deles pelos brasileiros, os manifestantes -8 a 10 homens- levantaram as motos e as passaram por cima do grande caule do coqueiro.
Em praticamente todos os piquetes, havia pessoas contrárias a nossa passagem, dizendo que o movimento deles também era contra os estrangeiros. No que eu replicava que não éramos europeus ou ...estadunidenses... e sim brasileiros com grandes e graves problemas, assim como eles.
Em outro piquete, um senhor desdentado disse que teríamos que pagar para poder passar pelo piquete, respondi que pelo que me tinham informado, o movimento, manifestação ou protesto, era uma pretensão legítima dos mineiros e que nós turistas brasileiros estávamos torcendo pelo sucesso do movimento. Alguns nos aplaudiram e mandaram passar.
Quando via um aumento de pessoas andando pelo acostamento, tinha certeza que existia um povoado, vila nas proximidades. Primeiro avistava as pessoas no acostamento, poucas, mais alguma centenas de metros e já tinha gente em cima da pista, até que havia tanta gente que nos afunilavam e tínhamos que parar. Quando havia oportunidade procurava parar a moto junto a um aglomerado de pessoas, pois parecia que sempre tinha um líder.
Imaginei que o pior já tinha passado. Enquanto andávamos, bem devagar, vi um grande número de pessoas pelo acostamento e mesmo sobre a pista.
Olhei para a direita e vi centenas de barracas feitas com alguns paus e lonas de cor azul. Parecia um acampamento do MST brasileiro.
Há aproximadamente 120 km de Puerto Maldonado, encontramos muitas pessoas com gestos hostis. Pedaços de pau nas mãos. Conforme íamos passando pelos manifestantes notava atitude agressiva por parte deles. O Ademir andava a frente, vi quando um grevista enrolou uma toalha molhada e bateu nas costas dele. Tentou bater em mim e não acertou, acho que pegou na mochila que levo entre mim e o bauleto. Em compensação, alguns metros a frente um deles me deu um forte tapa nas costas e mais alguns mts vi um manifestante levantar um galho e senti uma paulada no capacete. Outro deu um pontapé na moto, quase me desequilibrei. Outra batida com pedaço de pau no capacete. Senti medo. Fiquei bastante nervoso. Sou policial a mais de 30 anos, ninguém me agride sequer verbalmente, imaginem fisicamente. Tenho a impressão que a última vez em que fui agredido deveria ter menos de 12 anos em briga de guri em São José do Norte.
Eu previa que logo não conseguiríamos mais passar, se formaria o funil e encontraríamos a liderança para poder conversar.
Afunilou, muitos empurrando as motos, caras hostis, chingando. Apareceu um sujeito e gritou que se tinham nos deixado andar até ali, que seguíssemos viagem. Novo tapa no capacete e empurrão na moto. Gesticulei ao líder manifestando minha contrariedade com as agressões, pois ele já tinha dito para passarmos. Ele mandou que seguíssemos rápido em frente. Passamos. Agora eu estava com medo. Pois uma coisa era não poder passar e voltar para qualquer lugar e outra era ser agredido. Agora pressentia que poderíamos ser machucados.
À noite no hotel conversamos com algumas pessoas e estas repassaram nosso perrengue para o noticiário da tv ...canal 27. Vimos e ouvimos no noticiário local que dois brasileiros motociclistas conseguiram furar o bloqueio imposto pelos manifestantes e tinham conseguido chegar a Puerto Maldonado. Criticaram os órgãos de segurança por terem permitido que nossa passagem.
Posso dizer com toda a certeza, ninguém, com exceção de nós, passou pelos piquetes neste grande percurso que fizemos. A região tem minas de exploração de ouro por isto o grande problema. Estávamos no olho do furacão.
Soubemos que durante o dia nas manifestações, ocorreram três mortes e 1 policial ferido.
Continuo sem gasolina e pretendemos viajar amanha cedo. Não tão cedo como pretendíamos, pois nos informaram que foi decretado toque de recolher e ninguém pode sair antes das 6 ou 7hs,
Por volta de 8hs, saímos do hotel com uma chuva danada. Disseram-nos que ao atravessarmos a ponte, sairíamos da província de P Maldonado e não haveria mais problemas, porque a polícia já tinha desbloqueada a ponte na tarde anterior. Também conseguiria gasolina. Ocorreu como informado.
Agora era só andar na chuva e chegar a Rio Branco à tardinha, como planejado. Esta é uma coisa que não aconteceu como prevemos nesta viagem, o tal planejamento. Parece que o danado do planejamento não queria rodar com nossas motos. PLANEJAMENTO. Todos os motociclistas que realizam grandes viagens se orgulham tanto do planejamento da viagem.
Rodamos com chuva forte e por uma estrada com pouquíssimas curvas, mais ou menos 70 km, quando fui fazer uma ultrapassagem e senti a moto instável, tive a impressão que derrapou, saiu um pouco de traseira. Achei que tinha acelerado muito forte em cima da pintura de sinalização que divide as faixas. Nesta tinta, quando molhada, há menos aderência.
Mais 1 ou 2 km e notei que a moto estava frouxa, instável. Parei e olhei o pneu dianteiro, parecia cheio. No entanto o traseiro estava meio murcho. Esperei o Ademir retornar, pois logo ele notaria a falta da luz do farol da minha moto em seu retrovisor.
Olhei o pneu e a cabeça de um peque prego estava brilhando e olhando pra mim.
Pensei. Pneu com câmara. Quem tinha material para remendo de pneu eram os parceiros que estavam em Cuzco.
Ademir retornou e pedimos informação a um caminhoneiro que parou e disse que tinha um povoado a 2 km.
O pneu estava bastante murcho. Coloquei o peso do corpo em cima do guidão e fui rodando. Falei para o Ademir ficar de olho no pneu. Não poderia danificá-lo. Onde conseguiria um pneu daquele? Talvez em Lima.
Chegamos ao povoado. Paramos no pequeno posto de combustível e o Ademir disse ao moço que a moto estava com pneu furado e se poderia colocá-la dentro do posto para concerto. O rapaz se mostrou prestativo e começou a tentar retirar a roda traseira. Não tinha ferramentas apropriadas. Conseguiu com uma chave do tipo que se aperta cano de água. Retirou a roda e disse para levarmos na borracharia que ficava a nus 50 mts...... pqpariu... Porque não nos disse que tinha uma borracharia perto.....
O borracheiro informou que só poderia concertar “a frio”, pois a máquina que solda quente estava queimada. Em principio não haveria nenhum problema. Retirou uma tachinha do pneu.
Colocar a roda no lugar, necessita retirar o parafuso do ABS. Ninguém tinha a ferramenta necessária. Graças ao conhecimento e experiência do Ademir, a roda foi colocada, depois de duas horas.
Cobraram 10 soles para os dois (em torno de 4 dólares). Paguei 10 para cada um em agradecimento.
Colocamos novamente roupa de chuva, luvas, capacete e fui retirar a moto de dentro da espécie de escritório do posto. Tive dificuldade em movimentar a moto, estava muito pesada. O rapaz do posto, Jose, olhava para o pneu dianteiro e disse..está murcho!!!!
Resultado dos piquetes. Também tinha uma tachinha no pneu dianteiro e mais uma no traseiro. Não havia nenhuma ferramenta para retirar a roda. Pois é necessário retirar os parafusos do ABS do freio dianteiro. Novamente graças ao conhecimento do Ademir, conseguimos contornar a situação. Concertaram a câmara de ar com o pneu no lugar. Difícil, muito difícil principalmente devida a precariedade ou falta de ferramentas do local.
Mais uma hora e o pneu dianteiro também estava pronto para seguir viagem.
Chuva o dia inteiro e chegamos a Inapari, última cidade peruana antes da fronteira com o Brasil. Aduana e imigração rápida e fácil.
Todos queriam saber de onde vínhamos e principalmente como conseguimos passar. Alguns viajante que aguardavam na fronteira perguntaram se poderiam seguir para Cuzco, inclusive um peruano com uma Harley que estava retornando a Lima depois de um tour no Brasil.
Desaconselhamos a todos. Enfaticamente...NÃO VÃO... NÃO CONSEGUIRÃO PASSAR... NEM TENTEM ....
Queríamos chegar em Rio Branco, mas em razão dos percalços acabamos por decidir dormir em Epitaciolândia.
Meus queridos, o dia ainda não acabou.
As cidade de Brasiléia e Epitaciolândia são divididas por uma velha ponte de ferro, onde há um semáforo e passagem por apenas uma pista.
O Ademir, na minha frente e atrás de uma carreta. Continuava chovendo. A danada da ponte tem tábuas, um tipo de assoalho, piso bem lustrado. Não deu outra. Quando vi, a moto do Ademir derrapou muito rápido, como se as tábuas estivessem com sabão e ele caiu contra as barras de ferro da lateral da ponte. Vi quando bateu forte a cabeça (bendito capacete) em uma coluna de ferro. As costas em outra grande barra de ferro. Parei a moto e tranquei o trânsito. Acho que ficou desacordado por breves instantes, pois estava extremamente branco e dizendo que não enxergava direito. Dor nas costas, mão direita ou esquerda inchada, calça com proteção rasgada no joelho e a jaqueta, também com proteção, com o forro interno rasgado.
Várias pessoas disseram que é comum a queda de motos nesta ponte em dias de chuva. As tábuas são muito lisas devido ao movimento de carros e principalmente quando passa um caminhão, as tábuas são levantadas pelo peso. Imaginem vocês, andar de moto e de repente a tábua em que está a roda da moto simplesmente se deslocar....
Chegamos em Rio Branco por volta do meio dia. Hotel reservado pelo amigo Mauricio Lisboa.
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PLAZA DE ARMAS - CUZCO |
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FRIO A 4700 MTS. |
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INÚMEROS DESMORONAMENTOS |
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GREVE GERAL - COMPRANDO GASOLINA NA VILA |
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PNEUS FURADOS COM PREGOS COLOCADOS NA ESTRADA PELOS GREVISTAS
Ademir, depois da queda na ponte Brasiléia-Epitaciolância
ÁRVORE TRANCANDO A ESTRADA
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